A moreninha

A moreninha é um romance romântico do escritor brasileiro Joaquim Manuel de Macedo. Essa narrativa conta a história de amor entre o estudante Augusto e a jovem Carolina.
Por Warley Souza

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     A Moreninha é um romance do escritor brasileiro Joaquim Manuel de Macedo. A obra faz parte do romantismo e apresenta temática amorosa, sentimentalismo e idealização feminina. A narrativa conta a história de amor entre o jovem estudante Augusto e uma moça chamada Carolina, cujo apelido é Moreninha.

Augusto é um rapaz inconstante e namorador, o qual não leva nenhum relacionamento a sério. Quando seu amigo, o estudante Filipe, convida-o para passar um fim de semana em uma ilha no Rio de Janeiro, Augusto conhece a Moreninha, por quem se apaixona e tem o amor correspondido. Assim, o romance possui um final feliz.

Leia também: Iracema — análise de uma das principais obras da literatura brasileira

Tópicos deste artigo

Resumo sobre A Moreninha

  • A Moreninha é um romance do escritor brasileiro Joaquim Manuel de Macedo.

  • Augusto e Filipe são estudantes universitários no Rio de Janeiro do século XIX.

  • Filipe tem duas primas e uma irmã chamada Carolina (seu apelido é Moreninha).

  • Augusto é um rapaz inconstante, que se apaixona por várias moças, mas nunca leva nenhum relacionamento a sério.

  • Filipe convida Augusto para passar um fim de semana em uma ilha, na casa de dona Ana, avó de Filipe.

  • Filipe aposta que Augusto vai acabar se apaixonando de verdade por alguma das moças na casa de dona Ana.

  • Quem perder a aposta deve escrever um livro que conte tudo o que aconteceu na ilha.

  • Nesse fim de semana, Augusto conta para dona Ana que, quando ele tinha 13 anos de idade, conheceu uma menina de sete, que seria o seu verdadeiro amor.

  • O rapaz acaba se apaixonando pela Moreninha e, depois, descobre que ela é a menina de sete anos de seu passado.

  • Augusto pede a mão de Carolina em casamento e, assim, perde a aposta e escreve o livro A Moreninha.

Capa do livro “A Moreninha”, de Joaquim Manuel de Macedo, publicado pela Editora Moderna. [imagem_principal]
Capa do livro A Moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo, publicado pela Editora Moderna. [1]

Análise da obra A Moreninha

Personagens da obra A Moreninha

  • Ana: avó de Filipe.

  • Augusto: protagonista e amigo de Filipe.

  • Batista: amigo da família.

  • Clementina: amiga da família.

  • Esculápia: amiga da família.

  • Fabrício: amigo de Filipe.

  • Filipe: amigo de Augusto e irmão de Moreninha.

  • Gabriela: amiga da família.

  • Joana: prima de Filipe.

  • Joaquina: prima de Filipe.

  • Jorge: um conhecido de Augusto.

  • Keblerc: alemão amigo da família.

  • Leopoldo: amigo de Filipe.

  • Luíza: mãe de Joana e viúva de um negociante.

  • Moreninha (Carolina): protagonista.

  • Paula: ama de Carolina.

  • Rafael: criado de Augusto.

  • Tobias: escravo.

  • Tomásia: escrava.

  • Violante: amiga da família.

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Tempo da obra A Moreninha

A narrativa da obra A Moreninha apresenta tempo cronológico. As ações transcorrem na primeira metade do século XIX. O narrador indica apenas o mês de julho de 18..., sem especificar o ano exato. Além disso, há também um flashback, que narra um acontecimento ocorrido há sete anos.

Espaço da obra A Moreninha

A narrativa da obra A Moreninha ocorre na cidade do Rio de Janeiro.

Narrador da obra A Moreninha

É predominante, na narrativa da obra A Moreninha, o narrador observador. A partir desse ponto de vista, ele mostra as ações dos personagens da obra.

Enredo da obra A Moreninha

Filipe convida seus amigos Augusto, Fabrício e Leopoldo a passar a véspera e o dia de Sant’Ana em casa de sua avó Ana, “na ilha de...”. O narrador não coloca o nome da ilha, mas tudo indica que é a ilha de Paquetá. Na ilha, além da avó, estão também as primas de Filipe: Joana, de 17 anos, e Joaquina, de 16 anos. Além dels, também está na ilha a irmã de Filipe, a Moreninha, de 14 anos (apesar de que, em outro momento da obra, o narrador diz que ela tem 15).

Augusto é o tipo namorador e inconstante. Nunca amou e promete que jamais amará. Diz que seu pensamento não se ocupa nem se ocupará de uma mesma moça durante 15 dia, mas Filipe afirma que, na segunda-feira, Augusto voltará apaixonado. Eles fazem uma aposta nesse sentido. Quem perder, vai escrever um romance sobre o que acontecer na ilha.

Esses estudantes universitários redigem a aposta nos seguintes termos:

No dia 20 de julho de 18... na sala parlamentar da casa nº... da rua de..., sendo testemunhas os estudantes Fabrício e Leopoldo, acordaram Filipe e Augusto, também estudantes, que, se até o dia 20 de agosto do corrente ano, o segundo acordante tiver amado a uma só mulher durante quinze dias ou mais, será obrigado a escrever um romance em que tal acontecimento confesse; e, no caso contrário, igual pena sofrerá o primeiro acordante. Sala parlamentar, 20 de julho de 18... Salva a redação.

Meses atrás, Fabrício apaixonou-se por uma jovem chamada Joana, filha da viúva D. Luíza. Ela é a prima de Filipe. E agora Fabrício pede ajuda a Augusto para se livrar do fardo, já que Joana impõe várias exigências ao rapaz:

quer governar os meus cabelos, as minhas barbas, a cor de meus lenços, a minha casaca, a minha bengala, os botins que calço e, por último, ordenou-me que não fumasse charutos de Havana nem de Manilha, porque era isto falta de patriotismo.

Fabrício, com a ajuda de Augusto, pretende se livrar dela durante o fim de semana na ilha, sendo este o seu plano:

Tu deverás requestar, principalmente a minha vista, a tal minha querida. Ainda que ela não te corresponda, persegue-a. Não te custará muito isso, pois que é o teu costume. Nisto se limita o teu trabalho, e começará então o meu, que é mais importante.

Ver-me-ás enfadado, talvez que te trate com rispidez, e que te dirija alguma graça pesada, mas não farás caso e continuarás com a requesta para diante.

Eu então irei às nuvens... Desesperado, ciumento e delirante, aproveitarei o primeiro instante em que estiver a sós com d. Joaninha, e farei um discurso forte e eloquente contra a inconstância e volubilidade das mulheres. No meio de meus transportes, dou-me por despedido de amores com ela, e pulando fora de tal paixão romântica, correrei a apertar-te contra meu peito, como teu amigo e colega do coração.

Os quatro estudantes chegam à ilha no sábado, por volta de 11 horas da manhã. Após conversar com a velha e maçante dona Violante, Augusto percebe que a Moreninha (Carolina) é irônica. Em seguida, Fabrício vai cobrar de Augusto que ele haja conforme o plano. Mas o rapaz não concorda:

— Torno a dizer-te que estás doido, Fabrício, pois que me acreditas capaz de servir de instrumento para um enredo... uma verdadeira traição. Então, que pensas? Eu requestaria d. Joaninha, não é assim?... Tu a deixavas, fingindo ciúmes, e depois quem me livraria dos apertos em que necessariamente tinha de ficar?...

Então Fabrício declara uma guerra entre amigos e promete incomodar Augusto durante todo o fim de semana. Durante o jantar, ele tenta “atacar” o amigo, mas tudo que diz é rebatido de forma inteligente pelo herói. Nessa ocasião, Augusto e Carolina (a Moreninha) passam a se conhecer melhor.

Após o jantar, em um passeio com dona Ana, Augusto decide contar-lhe algo que nunca contou a ninguém. Eles se sentam em um banco de relva, em uma gruta, para Augusto contar “a história dos seus amores”. Há sete anos, quando Augusto tinha 13 anos de idade, em uma praia, viu uma menina de sete anos.

Acabaram ficando amigos naquele dia e brincaram juntos. Eles não disseram o nome um do outro, mas prometeram que iriam se casar. Em uma pequena casa, descobriram que um homem estava morrendo de fome. A menina deu à família do homem uma moeda de ouro que ganhara de seu padrinho, e o menino deu uma nota.

O homem doente que morria de fome deu-lhes dois breves, um verde e outro branco. O menino tinha um camafeu, que foi costurado no breve branco pela dona da pobre casa. A menina tinha um botão de esmeralda, que foi costurado no breve verde. Assim, o menino ficou com o breve verde, e a menina ficou com o breve branco.

No final da tarde, os meninos separam-se e, desde então, não mais se viram novamente. Ao terminar a história, Augusto diz que ouviu alguém correr, ou seja, alguém estava escondido e ouviu a história, mas depois se convence de que estava errado. Ele também conta a dona Ana sobre uma desilusão amorosa que o fez desacreditar no amor:

— Escute. Abatido e desesperado com os meus infortúnios, eu tinha jurado não amar a mais nenhuma moça que fosse morena, corada ou pálida: estavam, pois, esgotados os belos tipos... eu deveria morrer celibatário.

Depois, passou a amar todas, sem compromisso, e confessa que a menina que encontrou na praia, no passado, é o seu verdadeiro amor. Novamente, ele tem a impressão de que alguém estava escutando a sua conversa com dona Ana.

Mais tarde, na casa, Paula (ama de Carolina) desmaia. A moça, que considera Paula como a uma mãe, fica preocupada, mas os universitários concluem que Paula bebeu um pouco além da conta. Nesse ponto da história, Augusto já começa a mostrar interesse em Carolina:

Com efeito, Augusto, sem amar d. Carolina (ele assim o pensa) já faz dela ideia absolutamente diversa da que fazia ainda há poucas horas: agora, segundo ele, a interessante Moreninha é, na verdade, travessa, mas a cada travessura ajunta tanta graça, que tudo se lhe perdoa. D. Carolina é o prazer em ebulição; se é inquieta e buliçosa, está em sê-lo a sua maior graça: aquele rosto moreno, vivo e delicado, aquele corpinho, ligeiro como a abelha, perderia metade do que vale se não estivesse em contínua agitação. O beija-flor nunca se mostra tão belo como quando se pendura na mais tênue flor e voeja nos ares; d. Carolina é como um beija-flor completo.

Vale mencionar que, nos dois dias, a casa de dona Ana está cheia de convidados, além de escravos. Os convidados comem, bebem, jogam e têm diálogos amenos, sem grande profundidade. Dessa forma, o romance assume uma característica de entretenimento para leitoras e leitores da época.

No segundo dia, mais conversas descontraídas, brincadeiras, um sarau:

E o mais é que nós estamos num sarau: inúmeros batéis conduziram da corte para a ilha de... senhoras e senhores, recomendáveis por caráter e qualidade: alegre, numerosa e escolhida sociedade enche a grande casa, que brilha e mostra em toda a parte borbulhar o prazer e o bom gosto.

Entre todas essas elegantes e agradáveis moças, que com aturado empenho se esforçam por ver qual delas vence em graças, encantos e donaires, certo que sobrepuja a travessa Moreninha, princesa daquela festa.

A relação entre Augusto e Carolina (a Moreninha) torna-se mais profunda. Augusto, então, percebe que está apaixonado por ela, e Carolina também o ama, mas teme a inconstância de seu amado. Por fim, os estudantes vão embora. Dias depois, Augusto volta à ilha para passar um domingo.

Ele e a Moreninha estão bem apaixonados, e, quando Augusto se vai, os dois dizem um ao outro: “Até domingo!”. No segundo domingo, eles se encontram novamente, mas, no próximo domingo, o rapaz é proibido, pelo pai, de ir até a ilha. Para impedi-lo, o pai tranca o filho no quarto. Isso porque o pai ficou sabendo que Augusto vivia uma vida desregrada e não estava levando o estudo a sério.

Augusto acaba adoecendo. Então, o pai cede. Augusto vai encontrar a amada e pede sua mão em casamento. Por fim, Carolina revela que é a menina de sete anos, aquela do passado de Augusto. Assim, o rapaz perde a aposta:

— Minha boa avó, exclamou Filipe, isto quer dizer que Augusto deve-me um romance.

— Já está pronto, respondeu o noivo.

— Como se intitula?

A Moreninha.

Características da obra A Moreninha

Estrutura da obra A Moreninha

O romance A Moreninha é composto por 23 capítulos e por um epílogo.

Estilo literário da obra A Moreninha

A obra A Moreninha é um romance urbano do romantismo brasileiro. Sua narrativa é marcada pelo sentimentalismo, além de apresentar idealização do amor e da mulher, mas também tem um toque de ironia. Como típico romance melodramático brasileiro, A Moreninha conta a história, com final feliz, de um herói e de uma heroína da burguesia carioca do século XIX.

Contexto histórico da obra A Moreninha

O romance A Moreninha foi publicado, pela primeira vez, em 1844. É o segundo romance brasileiro, sendo o primeiro publicado um ano antes, ou seja, O filho do pescador, de Teixeira e Sousa. O tempo da narrativa é a primeira metade do século XIX, já no contexto do romantismo brasileiro, inaugurado em 1836.

A história do romance ocorre no contexto pós-independência, que compreende o Período Regencial (1831-1840) e o início do Segundo Reinado (1840-1889). Nesse período, o Estado brasileiro incentivou o sentimento de nacionalidade, identidade e união. Nesse sentido, o romantismo serviu como instrumento político e cultural, de forma que A Moreninha evidencia e valoriza os costumes nacionais da burguesia brasileira.

Crítica social na obra A Moreninha

O romance A Moreninha não apresenta propriamente uma crítica social. Ele cumpre uma das funções dos romances românticos que é retratar os costumes burgueses. Assim, a obra configura-se em um romance de entretenimento para a época, pois é uma narrativa ágil, com muitos diálogos, leveza e final feliz.

Desse modo, o amor verdadeiro que leva ao casamento e a um final feliz reforça, de forma idealizada, o estilo de vida burguês. Apesar disso, o romance, em alguns momentos, ironiza, de forma bem-humorada, o amor romântico, mas o que prevalece é o ideal romântico de felicidade conjugal.

Em um momento da obra, o narrador mostra uma questão social, ao mencionar um indivíduo que estava morrendo de fome. Porém, não há realismo no relato, de maneira que o romance não perde a leveza nem seu caráter de entretenimento. Esse trecho da obra também serve para mostrar a generosidade dos protagonistas.

Além disso, o fato de a protagonista ser morena não leva a nenhum questionamento. A morenidade da personagem não é associada à negritude. Apesar de ter a pele morena, Carolina é retratada, culturalmente, como pessoa branca. Dessa forma, seu tom de pele configura-se em um ideal de beleza brasileira, em oposição ao europeu.

Por fim, há um trecho que demonstra o racismo do personagem Fabrício ao falar do personagem Tobias. Porém, não se configura em crítica social, mas apenas reflete um elemento histórico, a naturalização do racismo na primeira metade do século XIX. Como veremos a seguir, o narrador reproduz as palavras do personagem com naturalidade, sem condenar seu teor racista:

Ah! maldito crioulo... estava-lhe o todo dizendo o para que servia!... Pinta na tua imaginação, Augusto, um crioulo de dezesseis anos, todo vestido de branco com uma cara mais negra e mais lustrosa do que um botim envernizado, tendo, além disso, dois olhos belos, grandes, vivíssimos e cuja esclerótica era branca como o papel em que te escrevo, com lábios grossos e de nácar, ocultando duas ordens de finos e claros dentes, que fariam inveja a uma baiana; dá-lhe a ligeireza, a inquietação e rapidez de movimentos de um macaco e terás feito ideia desse diabo de azeviche, que se chama Tobias.

Confira também: A escrava Isaura — um famoso romance regionalista do romantismo brasileiro

Trechos da obra A Moreninha

— Que interessante terceto! exclamou com tom teatral Augusto; que coleção de belos tipos!... uma jovem de dezessete anos, pálida... romântica e, portanto, sublime; uma outra, loura... de olhos azuis... faces cor-de-rosa... e... não sei que mais: enfim, clássica e por isso bela. Por último uma terceira de quatorze anos... moreninha, que, ou seja, romântica ou clássica, prosaica ou poética, ingênua ou misteriosa, há de, por força, ser interessante, travessa e engraçada; e por consequência qualquer das três, ou todas ao mesmo tempo, muito capazes de fazer de minha alma peteca, de meu coração pitorra!... Está tratado... não há remédio... Filipe, vou visitar tua avó. Sim, é melhor passar os dois dias estudando alegremente nesses três interessantes volumes da grande obra da natureza do que gastar as horas, por exemplo, sobre um célebre Velpeau, que só ele faz por sua conta e risco mais citações em cada página do que todos os meirinhos reunidos fizeram, fazem e hão de fazer pelo mundo.

— O que quiserem… Serei incorrigível, romântico ou velhaco, não digo o que sinto, não sinto o que digo, ou mesmo digo o que não sinto; sou, enfim, mau e perigoso, e vocês inocentes e anjinhos. Todavia, eu a ninguém escondo os sentimentos que ainda há pouco mostrei: em toda a parte confesso que sou volúvel, inconstante e incapaz de amar três dias um mesmo objeto; verdade seja que nada há mais fácil do que me ouvirem um “eu vos amo” , mas também a nenhuma pedi ainda que me desse fé; pelo contrário, digo a todas o como sou; e se, apesar de tal, sua vaidade é tanta que se suponham inesquecíveis, a culpa, certo que não é minha. Eis o que faço. E vós, meus caros amigos, que blasonais de firmeza de rochedo, que jurais amor eterno cem vezes por ano a cem diversas belezas... sois tanto ou ainda mais inconstantes que eu!... Mas entre nós há sempre uma grande diferença; vós enganais e eu desengano; eu digo a verdade e vós, meus senhores, mentis...

É inútil descrever o quarto de um estudante: aí nada se encontra de novo. Ao muito acharão uma estante, onde ele guarda os seus livros, um cabide, onde pendura a casaca, o moringue, o castiçal, a cama, uma até duas canastras de roupa, o chapéu, a bengala e a bacia, a mesa, onde escreve e que só apresenta de recomendável a gaveta cheia de papéis, de cartas de família, de flores e fitinhas misteriosas: é pouco mais ou menos assim o quarto de Augusto.

Para bem rematar o quadro das desgraças que me sobrevieram com a tal paixão romântica que me aconselhaste, d. Joana, dir-te-ei, mostra amar-me com extremo, e, no meio de seus caprichos de menina, dá-me prova do mais constante e desvelado amor; mas que importa isso, se eu não posso pagar-lhe com gratidão?... Vocês com seu romantismo a que me não posso acomodar, a chamariam ‘pálida’. Eu, que sou clássico em corpo e alma e que, portanto, dou às coisas o seu verdadeiro nome, a chamarei sempre “amarela”.

Malditos românticos, que têm crismado tudo e trocado em seu crismar os nomes que melhor exprimem suas ideias!…

O que outrora se chamava, em bom português, moça feia, os reformadores dizem: menina simpática!... O que em uma moça era antigamente desenxabimento, hoje é ao contrário: sublime languidez!... Já não há mais meninas importunas e vaidosas. As que forem, chamam-se agora espirituosas! A escola dos românticos reformou tudo isso, em consideração ao belo sexo.

A conversação continuou por uma boa hora; o tédio do estudante chegou a ponto de fazê-lo arrepender-se de ter vindo à ilha de... Três vezes tentou levantar-se; mas d. Violante sempre tinha novas coisas a dizer: falou-lhe sobre a sua mocidade... seus pais, seus amores, seu tempo, seu finado marido, sua esterilidade, seus rendimentos, seu papagaio, e até suas galinhas. Ah! falou mais que um deputado da oposição, quando se discute o voto de graças. Finalmente, parou um instante, talvez para respirar, e para começar novo ataque de maçada. Augusto quis aproveitar-se da intermitência: estava desesperado e pela quarta vez ergueu-se.

Oh! não, não... continuou a menina, com picante ironia; porém é fato que nenhuma de nós gosta de ser ofuscada com o esplendor de outra. Já basta de brilhar, d. Clementina; o sr. Augusto deve estar tão enfeitiçado com o seu espírito e talento, que decerto não poderá toda esta tarde e noite olhar para nós outras, sem compaixão ou desgosto; portanto, já basta... se não por si, ao menos por nós.

A ironia o feriu. A interessante Moreninha lançou sobre Augusto um olhar de aprovação e sorriu-se brandamente; gostou de o ver manejar sua arma favorita. Sem se explicar o porquê, também o nosso estudante teve em muita conta aquele sorriso da menina travessa.

— O que tem então ele?… perguntou com viva demonstração de interesse.

— Oh, meus meninos, respondeu a aflita velha, ele sofre uma enfermidade cruel, mas que poderia não ser mortal... porém é pobre!... E morre mais depressa pelo pesar de deixar seus filhos expostos à fome!... Morre de miséria!... Morre de fome!...

— Fome! exclamamos com espanto; fome! pois também morre-se de fome?...

E instintivamente a minha interessante companheira tirou do bolso do seu avental uma moeda de ouro e, dando-a à velha, disse:

— Foi meu padrinho que ma deu hoje de manhã... eu não preciso dela... não tenho fome.

No entanto d. Carolina continuava a cativar todos os olhares e atenções; tinham notado, é verdade, que ela estivera alguns momentos recostada à efígie da Esperança, triste e pensativa. Fabrício jurava mesmo que a vira enxugar uma lágrima, mas logo depois, lhe desaparecera completamente a menor aparência de tristeza, tornou a brilhar o prazer em ebulição.

No meio de toda esta balbúrdia era de ver-se o zelo e a solicitude da menina travessa!... Observava-se aquela Moreninha de quinze anos, que parecera somente capaz de brincar e ser estouvada, correndo de uma para outra parte, prevenindo tudo e aparecendo sempre onde se precisava apressar um serviço ou acudir a um reclamo. Só cuidava de si quando devia enxugar as lágrimas.

Belo espetáculo era o ver essa menina delicada, curvada aos pés de uma rude mulher, banhando-os com sossego, mergulhando suas mãos tão finas, tão lindas, nessa mesma água que fizera lançar um grito de dor à escrava, quando aí tocara de leve com as suas, tão grosseiras e calejadas!... Os últimos vislumbres das impressões desagradáveis que ela causara a Augusto, de todo se esvaíram. Acabou-se a criança estouvada... ficou em seu lugar o anjo de candura.

A Moreninha se mostrava, na verdade, encantadora no mole descuido de seu dormir, e à mercê de um doce resfolegar, os desejos se agitavam entre seus seios; seu pezinho bem à mostra, suas tranças dobradas no colo, seus lábios entreabertos e como por costume amoldados àquele sorrir cheio de malícia e de encanto que já lhe conhecemos e, finalmente, suas pálpebras cerradas e coroadas por bastos e negros supercílios, a tornavam mais feiticeira que nunca.

— É verdade, disse; não é a minha cabeça: a causa está no coração. Leopoldo, tenho tido pejo de te confessar, porém não posso mais esconder estes sentimentos que eu penso que são segredos e que todo o mundo lê nos olhos! Leopoldo, aquela menina que aborreci no primeiro instante, que julguei insuportável e logo depois espirituosa, que daí a algumas horas comecei a achar bonita, no curto trato de um dia, ou melhor ainda, em alguns minutos de uma cena de amor e piedade, em que a vi de joelhos banhando os pés de sua ama, plantou no meu coração um domínio forte, um sentimento filho da admiração, talvez, mas, sentimento que é novo para mim, que não sei como o chame, porque o amor é um nome muito frio para que o pudesse exprimir!... Eu já não me conheço... não sei onde irá isto parar... Eu amo! Ardo! Morro!

— Amor?... Amor não é efeito, nem causa, nem princípio, nem fim, e é tudo isso ao mesmo tempo; e uma coisa que... sim... finalmente, para encurtar razões, amor é o diabo... Dize-me, pois, sinceramente falando, qual o resultado que pensas tirar de tudo isso que me contaste.

Mania antiga é essa de querer triunfar das paixões com fortes meios; erro palmar, principalmente no caso em que se acha o nosso estudante; amor é um menino doidinho e malcriado que, quando alguém intenta refreá-lo, chora, escarapela, esperneia, escabuja, morde, belisca, e incomoda mais que solto e livre; prudente é facilitar-lhe o que deseja, para que ele disso se desgoste; soltá-lo no prado, para que não corra; limpar-lhe o caminho, para que não passe; acabar com as dificuldades e oposições, para que ele durma e muitas vezes morra. O amor é um anzol que, quando se engole, agadanha-se logo no coração da gente, donde, se não é com jeito, o maldito rasga, esburaca e se aprofunda. Portanto, muita indústria deve ter quem o quer pôr na rua, e para consegui-lo convém ir despedindo-o com bons modos, parlamentares oferecimentos e nunca bater-lhe com a porta na cara. Porém os homens, mal passam de certa idade, só se lembram do seu tempo para gritar contra o atual e esquecem completamente os ardores da mocidade. O resultado disso é o mesmo que tirara o pai de Augusto da energia e violência com que procura apagar a paixão do filho.

Joaquim Manuel de Macedo, autor de A Moreninha

Fotografia de Joaquim Manuel de Macedo, o escritor de “A Moreninha”.
Joaquim Manuel de Macedo é o autor de A Moreninha.

Joaquim Manuel de Macedo é o autor de A Moreninha. Ele nasceu em Itaboraí, no Rio de Janeiro, em 24 de junho de 1820. Mais tarde, fez faculdade na cidade do Rio de Janeiro e formou-se em Medicina no ano de 1844. Nesse ano, publicou seu grande sucesso — o romance A Moreninha. O autor também escrevia para jornais.

Foi nomeado professor de História no colégio Pedro II, em 1849. Deixou de trabalhar como médico aproximadamente em 1850. Foi um dos diretores da revista Guanabara entre 1849 e 1855. Além disso, foi eleito deputado em 1854, 1864 e 1878. Faleceu em 11 de abril de 1882, em Itaboraí.

Acesse também: Joaquim Manuel de Macedo — mais detalhes sobre a vida e sobre as obras do autor de A Moreninha

Filmes e novelas sobre A Moreninha

  • A Moreninha (1915), filme dirigido por Antônio Leal.

  • A Moreninha (1965), telenovela dirigida por Otávio da Graça Mello.

  • A Moreninha (1970), filme dirigido por Glauco Mirko Laurelli.

  • A Moreninha (1975-1976), telenovela dirigida por Herval Rossano.

Crédito de imagem

[1] Editora Moderna (reprodução)

Fontes

ABAURRE, Maria Luiza M.; PONTARA, Marcela. Literatura: tempos, leitores e leituras. 4. ed. São Paulo: Moderna, 2021.

ABL. Joaquim Manuel de Macedo: biografia. Disponível em: https://www.academia.org.br/academicos/joaquim-manuel-de-macedo/biografia.

ANDRADE, Priscilla Rampin de. Um cronista na tribuna: Joaquim Manuel de Macedo, imprensa e política na consolidação do Estado-nacional brasileiro. 2011. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011.

BOSISIO, Rafael de Almeida Daltro. Entre o escritor e o historiador: a história do Brasil imperial na pena de Joaquim Manuel de Macedo. 2007. Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.

COLOMBINI, Maikely Teixeira; SIQUEIRA, Joelma Santana. Espaços íntimos e espaços públicos na narrativa de Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882). Millenium, Viseu (Portugal), 46-A, n. especial, p. 80-120, 2014.

MACEDO, Joaquim Manuel de. A Moreninha. São Paulo: DCL, 2013.

MACEDO, Joaquim Manuel de. Um passeio pela cidade do Rio de Janeiro. Brasília: Senado Federal, 2005.